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QUINTA DA REGALEIRA – UM LUGAR ENCANTADO

Foi por 25 contos de réis que, em 1892, António Monteiro comprou este espaço carismático. Modelou-o no pensamento com magia, sonho e espiritualidade e o italiano Luigi Manini concretizou o Palácio e a Quinta de Regaleira, em Sintra. Portugal tem destas coisas que nos surpreendem e nos encantam. Portugal merece ser reconhecido e merece ser amado.

Há lugares que pertencem ao passado. Podem modernizar-se, podem inovar mas têm um sentido histórico tão enraizado que nas suas entradas parece haver túneis do tempo que nos fazem regressar ao passado. Ao longo da vida ouvimos falar sobre o passado e, ao mesmo tempo, imaginamos tanto. Rostos pálidos, penteados extravagantes, coches adornados de luz, vestidos folhados, festas, … Essa saudade do que não fomos, do que não vimos e do que não vivemos (mas que ao mesmo tempo nos define culturalmente) pode ser acalmada com uma solução: uma viagem.

Não é preciso ir para longe, nem abandonar o país. Portugal deve ser visto e merece ser amado. Cidades, montes e serras, estradas, ruas e ruelas, aldeias e vilas, florestas e jardins, esperam por nós. Também a História nos aguarda.

Há uma vila ímpar e peculiar. É um misto de sonho e de romantismo. Mas ao mesmo tempo que sigo pelas suas estradas encurvadas e vejo o verde adensado das florestas, pressinto algo de sombrio. É como se os filmes da saga Twilight pudessem ter sido filmados aqui. Nos dias em que a neblina mais se nota, o aspecto tenebroso intensifica-se. São talvez estes contrastes de romantismo com o obscuro, das sombras das árvores com as cores fortes dos edifícios, que fazem esta vila fidalga exercer, sobre qualquer um, poder e fascínio.

Ostenta-se com os seus palácios, fontes, jardins e vastas propriedades rodeadas por arvoredo e muros de musgo e fetos, inigualável e original. A 30 quilómetros de Lisboa, a magia da vila de Sintra impressiona estrangeiros e portugueses. E é para lá que hoje vamos. O local escolhido é o Palácio e Quinta da Regaleira, um labirinto de surpresas situado a 700 metros do centro histórico de Sintra, que exige calçado confortável e muita energia.

Este lugar edificado no início do século XX e classificado como Património Mundial da Unesco, une as ideias de António Monteiro, seu antigo proprietário (cuja alcunha leva a que este seja designado também por Palácio do “Monteiro dos Milhões”), ao engenho do arquitecto, pintor e cenógrafo italiano Luigi Manini.

São 4,5 hectares de terreno preenchidos por jardins, grutas, passagens secretas, construções enigmáticas, estátuas de deuses, terraços, túneis, lagos, recantos lendários e poços. O palácio que se ergue por entre a floresta, está cercado de jardins encantados, povoados pela ideia de Paraíso. O estilo neomanuelino e renascentista deste palácio assume a nostalgia pelos tempos dos Descobrimentos nas cordas, esferas armilares e nós. A arte gótica apresenta-se sob a forma de gárgulas e de pináculos ogivais, pequenas amostras de pesadelo no meio de um clima de sonho.

A espiritualidade cristã habita ainda na Capela da Santíssima Trindade, também neomanuelina e renascentista, onde é possível chegarmos à cripta. E há ainda que subir aos torreões onde as paisagens valorizam o esforço da caminhada. O lado mítico e esotérico da serra de Sintra parece fazer eco nesta propriedade.

A torre invertida, ou poço iniciático, é uma visita ao interior da terra, muitas vezes referida como o lugar onde começa e termina a vida. O percurso pode ser feito até às profundezas da terra ou em direcção ao céu, ao mundo celeste, consoante o percurso iniciático escolhido. Os nove patamares em espiral lembram os nove círculos do inferno, as nove secções do Purgatório e os nove céus do Paraíso, definidos por Dante na Divina Comédia. Na base da torre encontramos uma cruz templária e uma estrela de oito pontas, que constituem o emblema heráldico de António Monteiro. A partir deste espaço podemos entrar em galerias labirínticas que nos levarão ao exterior. É preciso passar a escuridão dos túneis subterrâneos para chegarmos à luz e aos lagos, como se seguíssemos uma representação da evolução do Homem no seu processo de conhecimento.

As ligações simbólicas entre o Homem e o Universo estão inscritas em toda a parte.

O simbolismo da Ordem Rosa Cruz, dos Templários e da alquimia estão lado a lado com os ensinamentos cristãos. Sob todas as formas esta é a representação dos interesses e dos valores de Carvalho Monteiro.

Sintra foi muitas vezes descrita por escritores e poetas. Eça de Queirós dá-nos a conhecer a Sintra do século XIX através de, por exemplo, “Os Maias”. Lord Byron deu-lhe a qualificação de “glorioso Eden”. Mas, ainda assim, esta terra tem qualquer coisa de indizível.

Esta é, sem dúvida, uma vila enigmática, espiritual e única, cujos rastos aristocratas lhe conferem raridade, capricho e até uma certa extravagância. É tão forte a sua beleza e transparência histórica que temos medo de não conseguir regressar ao presente, de não atravessarmos no regresso os túneis do tempo. Embarcámos nesta viagem para atenuar o peso da saudade. Mas depois de voltarmos, o problema parece não ficar resolvido e, por vezes, a nossa saudade do passado fica ainda maior.

 

Quem era António Augusto Carvalho Monteiro?

Nascido em 1848 no Rio de Janeiro, era filho de portugueses e herdeiro de uma fortuna familiar que foi aumentada no Brasil através do comércio de cafés e pedras preciosas. Cedo veio para Portugal, onde se licenciou em Leis na Universidade de Coimbra. Monteiro dos Milhões, como era conhecido, era um coleccionador e bibliófilo. Interessava-se por relógios, conchas, borboletas e antiguidades e era conhecido pelo seu gosto extravagante.

Carvalho Monteiro encontrou na Quinta da Regaleira o lugar adequado para expressar as suas ideologias e filosofias.

 

Em toda a terra portuguesa, em toda a terra da Europa, Sintra surge como um dos mais belos e raros lugares que a invenção prodigiosa da natureza logrou criar”

Afonso Lopes Vieira

 

Cátia Calado

 

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