A rivalidade entre portugueses e espanhóis é eterna e épica. Em quase tudo podemos competir: futebol, cultura, política, história, Vasco da Gama ou Colombo!
Estava muito entretenido a disfrutar um dos meus prazeres de vida: ler descontraidamente o jornal e a beber um precioso café. Mas já sabemos que em terras madrilenas queimam tanto o café, que é quase impossível bebê-lo a solo. Ah que saudades de casa! No tempo da Vasco da Gama é que traziam do Oriente coisas muito boas.
Continuando: estava relaxado a ler a “tercera página” do ABC, segundo alguns é a melhor parte do jornal fundado em 1903 por Don Torcuato Luca de Tena.
O artigo de opinião em questão intitulava-se “Mito y Realidade Colón”, faz uma enaltação a Cristovão Colombo e das conquistas espanholas nas Américas.
O autor emprega frases muito imperativas como “el disparate intelectual”.
Mas no final deste texto também podemos verificar e consciencializar os enormes disparates, que foram produzidos em “Mitos y Realidad de Colón”.
Este autor se indigna com a destruição das estátuas de Cristovão Colombo em vários países como: Estados Unidos e Argentina. Manuel Lucena Giraldo qualifica esses actos como: “el disparate intelectual de los indígenas de cuelo blanco (…) tiene su punto más débil en los vergonzosos anacronismos que utilizan”.
O que este historiador, investigador do CSIC e professor do Instituto de Empresa produziu no seu artigo de opinião foram entre outras coisas: uma constatação, um equívoco e um tremendo erro histórico.
A constatação!
Segundo este investigador: “a principios de 1492 logró convencer a los reyes católicos de la viabilidad de un viaje por la ruta del oeste hasta China, posiblemente con una escala en Japón. Los monarcas estaban inquietados antes las ganancias que la exploración marítima reportaba a Portugal”
O que é verdade! A expansão marítima portuguesa se iniciou em 1415, com a Conquista de Ceuta (curiosamente hoje esta cidade autónoma de Espanha continua a ostentar simbolos nacionais portugueses), e a partir dessa data histórica os descobridores passam a dominar a costa ocidental africana.
E no mesmo ano que Colombo chega à América, e após várias tentativas Bartolomeu Dias passa finalmente o Cabo das Tormentas. Esse nome foi dado pela forte confluência de correntes maritímas dos Oceanos Índico e Atlântico, que se intersectavam juntamente naquele ponto.
Mais tarde, o rei D. João II com sabedoria alterou o seu nome para Cabo da Boa Esperança.
Aliás, o grande feito de Bartolomeu Dias e dos seus homens, foi na prática a antecâmera para a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia.
O equívoco histórico!
Errar é humano como é óbvio! Mas não posso deixar de apontar o tremendo disparate intelectual deste historiador ao referir-se “pudo (Colón) vislumbrar el mundo de los caballeros y escuderos seguidores del gran monarca luso Enrique el Navegante”, pues hay que esclarecer ao senhor historiador que D. Henrique nunca foi o “monarca”, o soberano da Coroa portuguesa.
O Infante D. Henrique foi o grande impulsionador dos Descobrimentos Portugueses, e ao que parece raras foram as vezes que efectivamente navegou.
O Infante D. Henrique era filho de D. João I, o mestre de Avis que derrotou heroicamente os castelhanos na Batalha de Aljubarrota.
A vitória dos portugueses nessa importante e celebre batalha da idade Média e a epopeia marítima portuguesa possibilitou o fortalecimento da nação portuguesa.
O seu irmão D. Duarte, o eloquente é que foi efectivamente monarca, cujo seu reinado foi apenas de cinco anos (1433-1438), falecendo devido à peste.
Do seu casamento com D. Leonor de Aragão nasceu D. Afonso V, o Africano que teve no seu reinado um importante papel na conquista de cidades de extrema utilidade geoestratégica no Norte de África.
Fica aqui expresso o esclarecimento!
O tremendo erro ou distração histórica!
Para Manuel Lucena Giraldo: “gracias a la gesta que protogonizó (Colón) el 12 de octubre al servicio de la Corona de España, nació un verdadero mundo global”.
Para este historiador que pensa que o Infante D. Henrique foi rei de Portugal, também imagina que o início do “verdadeiro mundo global” se deu com a chegada de Cristovão Colombo à América.
É evidente que a descoberta e a conquista de grande parte da América pelos espanhóis tem a sua importância na História universal. A língua espanhola tem hoje uma projecção internacional invejável no mundo, rivalizando com a língua inglesa, a actual língua franca.
Mas referir que este acontecimento foi o nascimento de um “verdadeiro mundo global” é deturpar a História, e é um perfeito disparate intelectual.
Com a chegada de Vasco da Gama a Calecut em 1498, os portugueses iniciaram uma transformação deveras importante no comércio internacional.
Com a criação da Rota do Cabo que era mais segura e económica, que a Rota da Seda que tinha muitas dificuldades no desenvolvimento da actividade mercantil entre a Europa e o Oriente devido ao bloqueio do Império Otamano.
Posteriormente com as novas descobertas dos bravos navegadores portugueses, como foi Malaca em 1509, que na época era conhecida como a “Veneza do Oriente um importante interposto comercial, ou a sua chegada à China em 1513 ou à ilha japonesa de Tanegashima em 1543. Já antes em 1500 Pedro Álvares Cabral descobre o Brasil, plasmando assim um verdadeiro mundo global, o primeiro!
Pela primeira vez, o mundo (século XVI) ficava interligado: Europa, África, América y Oriente pelas naus dos portugueses.
Aliás, o primeiro império global, muito se diferenciou de outros grandes impérios. As razões: porque era oriundo de um pequeno país, estando limitado nos seus recursos, que foi habituado durante a sua história a fazer alianças desde os primórdios da sua independência, foram características que alicerçaram a sua presença internacional.
Para tal os monarcas e os estrategas lusitanos seguiram um política de conquista e domínio dos principais pontos do comércio internacional, recorrendo entre outras coisas à construção de feitorias para desenvolver essa política de expansão marítima. A excepção registou-se em Ceilão, actual Sri Lanka, onde foi tentando a conquista territorial da antiga Taprobana.
Curioso é verificar que a principal potência económica e militar do mundo, os Estados Unidos, seguem a mesma estrategia dos antigos descobridores portugueses. Optando por uma forte presença bélica, plantando bases militares em pontos geoestratégicos muito específicos no mundo, e em termos económicos as suas multinacionais têm também a sua presença internacional muito vincada, coajuvada por uma activa polítca diplomática.
Em resumo: quem omitir a relevância e a valentia dos descobridores portugueses na História universal, e mais especificamente, o seu contributo pioneiro para que fosse criada a primeira versão da globalização está simplesmente a contribuir para a sua ignorância ou para o seu disparate intelectual.
Bruno Caldeira
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