O investigador português João Gonçalves, da Faculdade de Farmácia e do Instituto de
Medicina Molecular ganhou recentemente financiamento da Fundação Bill & Melinda
Gates para o desenvolvimento de nanopartículas que ajudem no combate ao vírus HIV que
provoca SIDA.
A nanomedicina é um campo relativamente vasto, que engloba tudo o que se relacione com
o desenvolvimento e uso de pequenas partículas (por volta do tamanho de moléculas
individuais) para aplicações médicas. A nanomedicina é actualmente uma das àreas mais
promissoras para o desenvolvimento de terapias médicas eficazes.
Ao trabalhar a uma tão pequena escala consegue-se uma precisão nunca antes alcançada.
Por exemplo, o projecto de João Gonçalves propõe destruir células do sistema imunitário
que alojem o vírus HIV, deixando as outras células intactas. Isto tudo sem necessidade de
intervenções cirurgicas complexas, pois as pequenas partículas poderão em princípio ser
facilmente absorvidas pelo organismo (eg. pelas mucosas nasais). Este tipo de métodos,
potencialmente simples e baratos, poderão ser aplicados em zonas flageladas pelo
HIV/SIDA, como a África subsariana.
A pequenez das partículas facilita a sua integração no organismo, mesmo em zonas
particularmente dificeis, como o cérebro. Entra então em acção a “inteligência” destas
partículas geradas pelo homem. Normalmente estas partículas contêm uma componente que
lhes confere a especificidade na acção. Essa componente pode consistir em anticorpos para
detectar substâncias específicas à superfície das células onde se pretende agir (por exemplo,
no caso de alguns cancros, as células cancerígenas podem ser detectadas por um conjunto
de proteínas na superfície da célula). Também pode consistir em sequências específicas de
ácidos nucleicos para detectar células com determinados conteúdos no seu genoma (por
exemplo, um vírus escondido). Uma vez feita a detecção, esta gera determinadas mudanças
na nanopartícula que desencadeiam uma acção, que pode consistir na libertação de toxinas
(para matar células infectadas com vírus, ou células cancerígenas), ou simplesmente na
geração de luminescência para permitir a sua detecção e posterior remoção por processos
cirurgicos (eg. para detectar focos cancerígenos).
Podemos ver estas técnicas como uma espécie de versão futurista das injecções, não apenas
para o tratamento de doenças infecciosas, mas potencialmente para o tratamento de muitas
outras maleitas humanas. Em vez de estarmos a introduzir no nosso corpo versões
“diminuidas” de vírus, introduzimos verdadeiras máquinas, desenhadas para desempenhar
funções específicas. Apesar de conceptualmente ser uma ideia relativamente simples, a sua
implementação é muito complexa, e exige tecnologia muito avançada. Trabalhar a esta
escala envolve fenómenos físicos que se podem tornar imprevisíveis.
Finalmente, a específicidade das nanopartículas é um elemento fundamental para o futuro da
nanomedicina. Podemos facilmente imaginar nanopartículas defeituosas com capacidade de
“derreter” o nosso corpo inteiro. Ou pior ainda, nanopartículas com capacidade de se
autoreplicar poderão tornar-se piores que os vírus que eram suposto combater. Os medos
quanto à toxicidade dos nanomateriais, tanto do ponto de vista do ser humano como do
meio ambiente (seja no processo de produção, utilização ou de destruição) não são de todo
infundados, e ainda há muito trabalho pela frente para tornar em realidade o enorme
potencial da nanomedicina. Mas sem dúvida que valerá a pena, e devemos a todos
congratular-nos por termos pessoas como o investigador João Gonçalves, que promete
colocar Portugal na vanguarda da nanomedicina.
Márcio Mourão e Daniel Sobral
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