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CIÊNCIA HOLÍSTICA

O objectivo último da ciência é compreender a natureza e comportamento do universo
físico através da formulação de leis genéricas, derivadas após rigorosa observação,
experimentação e medição.

Para atingir este objectivo, a ciência adoptou uma abordagem bastante característica, que parte do pressuposto que problemas complexos podem ser divididos em problemas mais pequenos e simples de resolver. Usando palavras de Isaac Newton, “a verdade encontra-se na simplicidade, e não na multiplicidade e confusão das coisas”. Como o problema complexo é “reduzido” em unidades mais simples, esta abordagem designa-se “reducionista”, tendo predominado largamente no panorama
científico dos últimos séculos.

O reducionismo predomina igualmente nas ciências médicas, influenciando o modo como se diagnosticam, tratam e previnem doenças. Se uma infecção nos aflige, o alvo é o elemento patogénico. No caso do cancro, o alvo é o tumor. A tendência natural é tentar encontrar um factor único que seja a causa mais provável para o que observamos. Esta abordagem foi bastante importante, pois permitiu explicar os fundamentos químicos que estão na base de numerosos processos biológicos.

No entanto, muitas questões permanecem sem resposta: por exemplo, qual o papel da idade, alimentação ou hábitos de sono no surgimento e progressão da doença.

O reducionismo está intimamente ligado ao determinismo, em que se assume que qualquer acontecimento é perfeitamente determinado por um conjunto prévio de condições. Isso cria a ideia que todos os acontecimentos são facilmente previsíveis, bastando para isso estudar-se cada factor individualmente.

No entanto, sistemas complexos são normalmente caracterizados por uma teia intricada de interacções,
frequentemente circulares, em que um mesmo factor pode originar efeitos opostos dependendo do contexto, e em que pequenas alterações podem ter consequências completamente diferentes e imprevisíveis.

Sistemas biológicos são particularmente complexos, apresentando um comportamento dito “emergente”, pois emerge, de forma frequentemente imprevisível, da interação entre os inúmeros componentes do sistema, cada um dos quais, quando analisados individualmente, poderiam mesmo ser
considerados simples.

Uma das principais limitações do reducionismo é a sua incapacidade em explicar estetipo de comportamento emergente presente em muitos sistemas complexos. A metodologia científica que está na base das práticas médicas actuais, desde o diagnóstico até ao tratamento e prevenção, baseia-se no pressuposto que a informação de partes individuais é suficiente para explicar o comportamento do todo. Por isso não é de estranhar que, embora se celebre este ano uma década desde que se descodificou o
genoma humano, seja desconhecida a função de uma parte significativa das proteínas presentes nas nossas células. Conhecer a sequência da proteína não é suficiente para compreender a sua função, pois esta depende do contexto molecular global (outras proteínas e moléculas presentes na célula).

A abordagem reducionista tradicional subestima a complexidade inerente a muitos problemas, e os seus limites manifestam-se através de uma incapacidade cada vez mais patente em descobrir novas curas para um vasto leque de doenças debilitantes. Um óptimo exemplo é o cancro, em que mesmo após décadas de investigação ainda se está bastante longe de obter uma cura eficaz numa parte significativa dos casos.

A natureza complexa do corpo humano e das doenças que o aflige exige uma abordagem global, que tome em consideração múltiplos níveis de informação. Nesse sentido, os últimos anos testemunharam a expansão de uma filosofia diferente de fazer ciência, uma ciência dita “holística” (do todo). Esta forma de fazer ciência, que nas ciências da vida é comum designar-se biologia sistémica, procura identificar as múltiplas interdependências entre as diferentes partes de um problema, tanto no plano espacial como temporal.

Inspirando-se na engenharia, procura compreender, recorrendo frequentemente a modelos
matemáticos, como é que genes, proteínas, células e tecidos dão origem à complexidade dos seres vivos à nossa volta. Até agora, o sucesso desta abordagem limita-se sobretudo ao nível do comportamento de células individuais, tendo-se conseguido já o desenvolvimento de ferramentas poderosas que conseguem modelar o comportamento destas células em resposta a diversos estímulos ambientais.

O grande desafio consiste agora em tentar passar destas células individuais para organismos completos.
A biologia sistémica é inovadora no sentido em que se demarca das tradicionais abordagens reducionistas. Em vez de reduzir o problema a hipóteses simples, procura antes englobar o máximo de informação possível em modelos globais, na esperança de alcançar novos conhecimentos sobre os mecanismos que originam e permitem a vida. O painel de problemas que a biologia sistémica procura resolver é diverso, indo desde o desenvolvimento embrionário do organismo até o surgimento e progressão de doenças como o cancro.

 

Márcio Duarte e Daniel Sobral

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