Em 2011 celebra-se os 500 anos da conquista de Malaca pelos portugueses. Todavia, foi efectivamente, no ano de 1510 a data da chegada dos homens de D. Afonso de Albuquerque, àquela que era considerada a “Veneza” do sudoeste asiático, pois o seu porto era frequentemente visitado por mercadores vindos do Japão, China, Filipinas, Molucas, Pérsia, Malatar, Arábia e até de África.
A sua situação geoestratégica em relação ao comércio marítimo da Ásia fez com que os bravos exploradores lusitanos tomassem Malaca em muito pouco tempo. É espantoso que um pequeno país, com um pequeno exército, que rondaria na época 40 000 homens, dominasse o Reino de Marrocos, as costas marítimas ocidental e oriental de África e praticamente todo o comércio marítimo vindo da Ásia.
Se na então Índia Portuguesa que caiu nas mãos da União Indiana nos anos 60 do século passado, e bem como em Macau, cuja transferência da administração passou em definitivo para a China, em 1999, nestes dois casos havia uma ligação institucional com Portugal. O mesmo já não acontecia com Malaca, aonde esse vínculo institucional deixou de existir há séculos. Mas o que nunca findou foi uma enorme vontade dos descendentes dos portugueses em continuar a preservar a herança histórica e cultural dos seus antepassados.
Um dos grandes dinamizadores da cultura portuguesa em Malaca é o Mestre Noel Félix, que viu realizado o sonho de uma vida, visitar Portugal. O nosso grande Mestre dizia que se sentia muito “gabado” em estar na terra dos seus “avós”. Durante a sua estadia em Portugal, que ocorreu entre o final do mês de Outubro e o início do mês de Novembro, também eu tive a felicidade de conhecer o grande Mestre, e não resisti em fazer a seguinte pergunta: “qual era o segredo que fez com que preservassem a cultura e a língua portuguesa durante todos estes séculos apesar do abandono do Estado português?” E foi então que o nosso Mestre simplesmente respondeu: “porque sentimos orgulho em sermos portugueses!”.
Bom, tomando o exemplo dos Heróis de Malaca, que contra todas as adversidades, conseguiram manter as tradições e a língua portuguesa naquele cantinho da Ásia, o mesmo já não acontece na sua vizinha Ilha da Sumatra, pois já ninguém preserva a cultura holandesa, antiga potência colonizadora, mas há também que prestar homenagem à comunidade macaense e toda a diáspora portuguesa, que vai mantendo a herança lusitana nas terras de acolhimento, apesar do abandono das entidades oficiais.
De referir, que a Associação Coração em Malaca está a desenvolver um notável projecto chamado “Povos Cruzados” dinamizado pela Cátia Candeias, mais conhecida pela Bárbara do Bairro Português e pelo José Machado, mestre em danças de folclore. Um dos objectivos principais deste trabalho será em preparar um manual com um dicionário de palavras em português e português de Malaca. O manual será escrito em quatro línguas: português – português de Malaca – malaio e inglês para quem dele deseje recorrer e necessitar de aprender a falar e escrever. De referir que em toda a Malásia existem à volta de 200 palavras de origem portuguesa.
Os esforços da comunidade de origem portuguesa em Malaca, que hoje ronda as 1.200 pessoas não podem cair no esquecimento, pois o seu trabalho diplomático é grandioso. As autoridades malaias permitem que esta comunidade goze de alguma autonomia e tenha órgãos políticos próprios, como é o caso do Painel do Regedor.
Decalcando as palavras do último presidente do Leal Senado de Macau, José de Sales Marques, quem quiser ser um empresa internacional e se esqueça da Ásia, não sabe o que anda a fazer, já para não falar que o sudoeste asiático possui uma população de mais 600 milhões de pessoas, e o seu crescimento económico galopante deveria ser considerado um grande incentivo por parte do Estado e das empresas portuguesas, para ali apostarem forte na sua internacionalização.
Por outro lado, há que observar com atenção a história e ter em conta que o eixo Goa-Malaca-Macau tem praticamente metade da população mundial, e com os antepassados históricos que Portugal tem com a região, urge a necessidade de retomar essa rota. Na rota do empreendedorismo, pois AICEP deveria focalizar e adequar a sua política de incentivos para essa emergente área de negócios e não só para os mercados mais óbvios que são actualmente Angola e o Brasil, há que diversificar o investimento externo. Mas uma melhor definição estratégica do investimento externo não chega, talvez precisamos de uma acção diplomática mais activa no campo económico e cultural, e aí os Heróis de Malaca tiveram e têm uma relevância extrema.
Por fim, não podemos esquecer que o Estado português deve proporcionar às suas comunidades espalhadas pelo Mundo, como é o caso da comunidade Macau e de Malaca, uma estreita ligação a Portugal, no entanto não se tem verificado um grande empenho por parte dos nossos governos em preservar esta relação histórica. A inexistência de voos da TAP para estas regiões também é sintomática de uma falta de interesse em investir nestas importantes áreas do globo. Se oficialmente a administração da TAP diz que economicamente não é viável, em termos do interesse nacional esses voos para a Ásia são imprescindíveis para que o orgulho de ser português e o fomento dos negócios com a Ásia possam florescer, pois se tal aconteceu no passado, também com algum empenho poderá acontecer no presente.
Bruno Caldeira
Publicado na Raia Diplomática (edição impressa) em 28 de Novembro de 2009
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