Em 2013 cheguei a escrever um pequeno ensaio sobre um maior estreitamento nas relações luso-espanholas denominado: A Comunidade Ibérica: o federalismo espanhol e Portugal.
Para muitos a união, a federação ou a comunidade têm o mesmo significado.
Os mais distraídos poderão pensar que todos esses termos estão ligados com o iberismo.
Nos últimos anos, a corrente iberista (aquela que defende o unionismo ou o federalismo de toda a Península Ibérica) tem tido uma ténue visibilidade com a criação do Partido Ibérico em Espanha.
Todavia, a Comunidade Ibérica que defendo está nos antípodas das ideias enviesadas desta nova vaga de iberistas.
A minha ideia de Comunidade Ibérica vai mais ou encontro das necessidades da sociedade civil de Espanha e de Portugal, e não de uma tendência pouco racional que não quer conhecer a história e as grandes diferenças identitárias e sociais de portugueses e espanhóis.
Um exemplo dessa militância radical aconteceu há poucos dias. Um dito iberista contactou-me de uma forma demasiada “aberta” e presunçosa.
A mensagem que foi enviada a mim vinha nos seguintes termos “…os enviamos notas de prensa de un eventos en Chaves y Verín, y no vimos ninguna referencia…”
Esta estranha mensagem, até porque não conheço esse dito apressado iberista, armado em político manipulador, é ao mesmo tempo um modelo figurado da diferença entre portugueses e espanhóis.
Há uns anos o diário ABC publicou uma reportagem em que chamava aos portugueses como “os latinos mais britânicos”.
Embora em termos gerais essa afirmação não corresponda completamente à verdade, porém, já quanto à moderação e ao trato “diplomático” nas relações sociais se possa aparentar a esse cliché britânico.
Aqui também podemos estar a falar de respeito pelo outro, que é uma propriedade essencial para preservar qualquer tipo de relação.
As diferenças entre Portugal e Espanha em muitos aspectos são enormes.
Espanha tem bastante mais população e território, e uma economia mais robusta que a Lusa. Do ponto de vista da estrategia espanhola pode ter sentido em não considerar convenientemente o seu vizinho.
A rica história de Espanha e a projecção internacional da sua língua, só poderá comparar-se com as maiores potências europeias.
Todavia, os últimos anos estão a ser caracterizados por uma grave crise política mesmo dentro o seu próprio território, mais propriamente na Catalunha.
São demasiados anos para que uma crise que é muito mais que uma disputa de nacionalista não esteja já resolvida.
Esta crise já teve dois picos de tensão.
O primeiro foi o “congelamento” de relações institucionais entre o governo central espanhol e a Generalitat da Catalunha. Tendo posteriormente sido agravado este conflicto hispano-catalão com a aplicação do art. 155 da Constituição espanhola.
Nos momentos de maior tensão, os lados radicalmente opostos têm mais força que os movimentos mais moderados.
Agora estes são apelidados pelos outros de traidores. As forças do “centro” e mais moderadas estão em clara desvantagem.
Uma débil comunicação da parte do governo de Pedro Sánchez para tentar avançar na resolução conflicto, que inclusivemente as famílias de toda a Espanha, “detonou” o seu frágil governo, obrigando ao actual presidente do governo de Espanha a convocar novas eleições.
A palavra que acabou com todos os esforços para a resolução do conflicto hispano-catalão foi relatora.
Espanha possivelmente estará nos próximos tempos num dilema governativo: ou vira para um novo nacionalismo onde os direitos civicos e políticos estarão seriamente comprometidos sobretudo para os emigrantes, minorias e em certa maneira para as mulheres, ou então irá cair para um desgoverno continuado ou para a criação governos muito frágeis, onde a instabilidade política poderá afectar a vida quotidiana dos espanhóis.
Todo este conflicto hispano-catalão que está a ser gerado pelos seus dirigentes políticos, ainda não tiveram o bom senso para pedir ajuda além-fronteiras.
O Estado espanhol e todos os seus órgãos públicos devem ter a suficiente humildade para solicitar ajuda, seja para encontrar um relator ou outra figura que seja para avançar com segurança para a resolução desta disputa, e que não parece até ao momento ter um fim à vista. Esta nova via não significa renunciar à sua soberania ou que seja uma derrota política.
Agora, vamos voltar à Comunidade Ibérica. Por muitos poderá ser considerada como uma utopia ou um delírio.
Do lado português não se pode esquecer dos efeitos absolutamente negativos e humilhantes da União Ibérica do tempo dos Filipes, que arruinou por muitos anos o orgulho do povo português.
Porém, parece que estamos noutros tempos, embora a história e o contexto actual jamais deverão ser descurados para que a relação luso-espanhola possa entrar noutro nível
Uma Comunidade Ibérica deve sempre e em primeiro lugar servir os cidadãos de um e do outro lado da fronteira.
Uma Comunidade Ibérica eficiente não deve e não pode satisfazer as utopias políticas e as grandezas sem sentido do unionismo e do federalismo ibérico.
Uma Comunidade Ibérica pode servir de equilíbrio e de contenção aos excessos que invadem a política espanhola, e de ponte aos conflitos que agora parecem irresoluveis.
Neste aspecto a colaboração entre um país que é muito menor que o outro até pode ter as suas vantagens.
O tão temível relator como é descrito por uma das partes radicalizadas pode ser amenizado, ou até tolerado, ou até respeitado, se for efectuado dentro de uma comunidade política que lhe seja próxima.
Mas como qualquer negócio, incluindo o político e o diplomático, o valor da confiança tem de estar sempre presente, para que a criação de uma eficiente e pragmática Comunidade Ibérica seja efectiva.
Bruno Caldeira
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