É frequente pensar a relação entre Portugal e a Ásia pelo prisma da História e pelos contatos que desde o século XV se foram fazendo por várias partes daquele continente por onde os nossos antepassados deixaram alguma marca de presença.
O “império” constituiu-se tendo como base o Estado da Índia e o estabelecimento de uma intrincada rede comercial, diplomática e missionária que do Golfo Pérsico ao Japão, incluindo as mais remotas paragens da Insulíndia. Ainda que este império tenha subsistido até ao século XX, a partir da segunda metade do século XVI o Brasil e o espaço atlântico tornou-se prioritário, permanecendo um legado cultural e político que sublinha a extraordinária capacidade de, num misto de planificação e de improviso, projetar uma memória e uma tradição de contacto com outros povos.
Curiosamente, também a Espanha teve uma extensão do seu império no Sudeste Asiático e ainda que as Filipinas nunca tenham ocupado senão uma posição periférica, o fim do seu ciclo colonial também a elas fica associado, quando, em 1898, depois da derrota sofrida às mãos dos EUA em Cuba, o arquipélago passou para a administração dos vencedores da guerra. Esta circunstância histórica explicará talvez o facto de os Estudos Asiáticos não terem tido um grande desenvolvimento em Espanha, ainda que mesmo em Portugal, como se referiu, os estudos dominantes são os de História e só muito recentemente se alargaram para outras áreas como a Antropologia, a Economia ou a Geopolítica.
Foi o fim anunciado da soberania portuguesa de Macau, a diminuta economia de casino do sul da China, transferido para a China em 1999 mas alcançando o estatuto de região administrativa especial (como Hong Kong), com um governo próprio e a manutenção de traços do sistema jurídico português, que deu novo ânimo aos Estudos Asiáticos em Portugal. O mesmo sucedeu quando se reuniram as condições para que Timor-Leste, um território ocupado pela Indonésia em 1975, se encaminhasse para a independência depois da realização de um referendo em 1999 e de uma administração transitória exercida pelas Nações Unidas. O processo despertou o interesse da comunidade académica portuguesa.
Curiosamente, foi também na Ásia que, perante duas situações não resolvidas ligadas ao passado colonial, o ciclo “imperial” simbolicamente teve o seu ocaso. Foi neste contexto que várias instituições universitárias portuguesas deram os primeiros passos a desbravar os Estudos Asiáticos quer em setores mais diretamente relacionados com os seus interesses de política externa, como Macau e Timor, como pelas profundas transformações que estavam a ocorrer no Extremo Oriente, designadamente, na década de 90 do século XX, aquelas que aconteceram na China e a tornaram uma das chamadas potências emergentes.
Na Universidade de Lisboa, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, há um centro de investigação – o Instituto do Oriente -, acreditado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, que lançado em 1989, tem vindo desde então a desenvolver atividades de pesquisa, numa fase inicial animado pelo contexto que acabei de descrever da transição de Macau e de Timor-Leste. Em 2002, lançou a primeira e até agora única revista portuguesa de Estudos Asiáticos, denominada Daxiyangguo, um nome inspirado numa publicação de Macau do século XIX, cuja tradução – “grande navio do Ocidente” – consagra este encontro entre Oriente e Ocidente, Portugal e vários povos da Ásia Oriental.
De entre vários projetos e de eventos que levou a efeito, o Instituto do Oriente acabou por aumentar o seu interesse por outras áreas geográficas e atualmente desenvolve estudos sobre a Turquia, a Ásia Central, a China e o Sudeste Asiático, numa abordagem vincadamente multidisciplinar, do estudo dos regimes políticos aos sistemas económicos, da integração regional às migrações, da geoeconomia à mudança cultural.
A centralidade que a Ásia Oriental tem vindo a ocupar nas relações internacionais – com toda uma genealogia de profecias de que no século XXI o poder mundial seria transferido para o Pacífico – fará aumentar a necessidade de conhecer com outra profundidade um mundo que ainda é difícil de decifrar e compreender. Num momento em que se assiste a um rearranjo de forças e a um momentum peculiar nos EUA, com a União Europeia a dar vários sinais de fragilidade, acentuados agora pelo Brexit, o papel da China e a extensão do seu projeto de projeção de poder à escala global através do lançamento do megalómano projeto de construção de infraestruturas e vias de comunicação denominado Belt & Road Initiative.
Compreender as dinâmicas de crescimento desta parte do mundo e refletir sobre o lugar que países como uma Índia em afirmação ou de um Japão dilemático, impõe-se crescentemente não só no meio académico como no meio político e empresarial. Aliás uma coisa leva à outra: a investigação pode sustentar e inspirar estratégias e decisões políticas e negócios.
Tanto Portugal como a Espanha têm que crescer neste domínio dos Estudos Asiáticos; podem estabelecer mecanismos de cooperação e de diálogo para o fazerem. Este encontro dos dois países ibéricos com a Ásia é uma opção estratégica que tem de estar em cima da mesa e como em tantos outros assuntos existe um grande desconhecimento em Espanha sobre o que se faz no “pequeno retângulo”.
Impõe-se a divulgação das atividades e a exibição das “vantagens competivas” portuguesas, desde logo o longo tempo de permanência no oriente. Recomenda-se, portanto, um aprofundamento dos Estudos Asiáticos através da realização de iniciativas conjuntas e que possam acontecer em termos diferentes – mais equilibrados e com maior assertividade e empenho do lado português – dos das comemorações da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães. Mais do que as efemérides, é tempo de promover mais um casamento de conveniência entre os dois países.
Nuno Canas Mendes
Presidente do Instituto Oriente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP)/Universidade de Lisboa
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