Esta semana entrevistamos a Nuno Almeida, Diretor do Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial (AECT) da Eurorregião Galicia – Norte de Portugal, em que abordamos a linha ferroviária de alta velocidade Porto-Lisboa e a sua ligação a Vigo. Todavia, essa ligação a Espanha ainda não existe.
Para Nuno Almeida esta infraestrutura é essencial para o Norte de Portugal e da Galiza, já que “aqui se concentram 47% dos movimentos fronteiriços e 51% das mercadorias registados nos 1200 km da fronteira entre os dois países. Esta evidência reclama um modo de transporte que não marginalize o território de 50.860 km2 no qual residem 6,2 milhões de habitantes”.
Com o aproximar da Cimeira Ibérica que se realiza no próximo dia 4 de novembro, em Viana do Castelo, o director do AECT também defende que as autoridades regionais também possam participar nestes encontros entre os governos de Portugal e Espanha “o Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte) e da Comunidade de Trabalho Galicia – Norte de Portugal, António Cunha, e o Presidente da Xunta da Galiza, Alfonso Rueda, afirmaram recentemente a necessidade de o nível regional vir a estar presente nas Cimeiras, em caso de existirem assuntos do seu direto interesse, o que sempre existe”
Depois de décadas a discutir o comboio de alta velocidade em Portugal, parece que finalmente essa ambição será uma realidade. No passado setembro, o primeiro-ministro português anunciou a ligação entre Lisboa e Porto, e a sua ligação a Vigo para ligar a rede de alta velocidade ferroviária de Espanha. É a melhor solução?
O senhor primeiro-ministro, António Costa, apresentou um plano, um calendário de execução e a forma de financiamento, pelo lado português, para este reforço da vertebração da fachada atlântica da Península Ibérica, assente na ferrovia, e ligando Lisboa-Porto-Vigo. No momento atual, não existe uma ligação diária capaz neste modo de transporte entre Portugal e Espanha. É este o ponto em que estamos.
Durante a cerimónia de apresentação da linha de alta velocidade Porto – Lisboa, o primeiro-ministro português, António Costa, declarou que este projeto “une o país” e “reforça a nossa fachada atlântica”. Como é que a ligação ferroviária de alta velocidade pode ajudar ao desenvolvimento da região do Norte de Portugal e da Galiza?
Citava a Luís Ceia, presidente da Confederação de Empresarios do Minho (ConfMinho) a respeito dos movimentos registados na Eurorregião: aqui se concentram 47% dos movimentos fronteiriços e 51% das mercadorias registados nos 1200 km da fronteira entre os dois países. Esta evidência reclama um modo de transporte que não marginalize o território de 50.860 km2 no qual residem 6,2 milhões de habitantes.
Se este projeto vem “reforçar a nossa fachada atlântica” como as empresas lusas e galegas podem beneficiar a nível das exportações?
Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) identificou recentemente o PIB da Euro região como estando próximo dos 120.000 milhões de euros. Falamos sobretudo de PME, mas também de investimentos de grandes empresas nos dois sentidos.
Esta solução Lisboa – Vigo teve um consenso político pouco usual em Portugal, quer em Espanha. Por exemplo na Galiza, PP Galego e o BNG também estão de acordo. Como se pode agilizar a relações e as soluções entre os governos centrais de Espanha e Portugal?
Portugal e Espanha são estados vizinhos, mas sobretudo liga-os uma amizade e um grau de cooperação que dificilmente encontra paralelo no contexto europeu. As recentes parcerias estabelecidas entre os governos dos dois países face aos atuais desafios de carater geopolítico em matéria de aprovisionamento e distribuição energética mostram isso mesmo.
E o mesmo para a ferrovia de alta velocidade. Do momento, temos um comboio designado “Celta” que, do lado português, tem a linha eletrificada até Valença e carruagens modernizadas. Mas nem os tempos de viagem nem as frequências são compatíveis com o dinamismo da Eurorregião, assentando assim a mobilidade quase integralmente no modo rodoviário. Organizamos recentemente, em Vigo, um Seminário juntamente com as Confederações Empresariais da Galiza, de Portugal e do Minho no qual, para além dos referidos representantes do tecido empresarial, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte e Xunta da Galiza exigiram uma resposta à altura da dimensão económica e cultural do nosso território. Aí, o Diretor-Geral de Infraestruturas e Mobilidade da Xunta de Galiza, Ignacio Maestro, mostrou-nos que circulam diariamente pela fronteira entre o Norte de Portugal e a Galiza cerca de 40.000 veículos ligeiros de passageiros enquanto o comboio Celta desloca 100.000 passageiros por ano! Ora isto configura um enorme desequilíbrio modal.
A próxima Cimeira Ibérica se celebrará no próximo dia 4 de novembro em Viana do Castelo. Seria útil a presença de outras entidades como as eurorregiões nessas cimeiras?
O Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte) e da Comunidade de Trabalho Galicia – Norte de Portugal, António Cunha, e o Presidente da Xunta da Galiza, Alfonso Rueda, afirmaram recentemente a necessidade de o nível regional vir a estar presente nas Cimeiras, em caso de existirem assuntos do seu direto interesse, o que sempre existe.

Portugal e Espanha são estados vizinhos, mas sobretudo liga-os uma amizade e um grau de cooperação que dificilmente encontra paralelo no contexto europeu. As recentes parcerias estabelecidas entre os governos dos dois países face aos atuais desafios de carater geopolítico em matéria de aprovisionamento e distribuição energética mostram isso mesmo
Nuno Almeida, Diretor do Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial (AECT) da Eurorregião Galicia – Norte de Portugal
O certo é que a Cimeira Ibérica tem pouco impacto mediático nos grandes meios de comunicação de Madrid. Não esquecer que Portugal atualmente é o 3º mercado exportador de Espanha. O que se pode fazer para dinamizar as Cimeiras Ibéricas?
Também Espanha é o primeiro parceiro comercial de Portugal desde a viragem do século. Essas evidências devem motivar a totalidade dos agentes políticos dos dois países a continuarem a cooperar de forma fluida. E o facto de a Península Ibérica ter subitamente assumido uma relevância decisiva seja no contexto pós-Brexit seja na mais recente crise de segurança a leste – com a Alemanha a solicitar o nosso apoio para as interligações no setor da energia -, aumenta a consciência da nossa relevância.
Outro assunto que elevou a sua importância, principalmente durante os tempos mais duros da Pandemia da Covid-19 é a criação do estatuto do trabalhador transfronteiriço. Como está essa situação?
A decisão de vir a aprovar um Estatuto para estes trabalhadores foi apresentada na Cimeira Ibérica da Guarda (2020) e na seguinte de Trujillo (2021). Foram, entretanto, criados 3 Grupos de Trabalho por parte dos Ministérios do Trabalho dos dois governos com esse fim. Aguarda-se, com expectativa, que o mesmo venha a estar disponível no imediato. De acordo com o Informe de Mobilidade Transfronteiriça de 2021, apresentado pelo nosso EURES Transfronteiriço e a CEG no passado dia 19, falamos de 8.409 contratos de trabalho formalizados na Galiza por trabalhadores portugueses quando tinham sido 7.113 em 2020; apenas a comunidade constituída pelos trabalhadores venezuelanos superou a portuguesa nesta região espanhola. Por províncias, destacam-se Pontevedra com 3.504 e Corunha com 2.038, seguida pelo Orense. Os portugueses inscritos na Segurança Social espanhola em 2021 foram 8.059 (7.820 em 2020). De novo se destacam as províncias de Pontevedra com 3.463 e da Corunha com 1.811.
Não existindo obrigatoriedade de registo dos contratos de trabalho no Instituto de Emprego e Formação Profissional de Portugal, analisamos, a este propósito, o número de pessoas físicas com nacionalidade espanhola com remunerações declaradas nos Centros Distritais de Segurança Social do Norte de Portugal: em 2021 foram 4.165 (4.006 em 2020). Uma análise por distrito situa Viana do Castelo com 1.898 e Porto com 1.368.
Na Galiza, os trabalhadores portugueses encontram-se na indústria, transporte e hotelaria. No Norte de Portugal, os trabalhadores galegos estão na indústria transformadora, atividades administrativas e no comércio. Merece um particular destaque a classificação dos trabalhadores destacados. Regista-se que, em 2021, 2.062 trabalhadores portugueses foram destacados pelas suas empresas para trabalho na Galiza (2.136 em 2020). Neste mesmo ano, 6.984 trabalhadores galegos também foram destacados pelas respetivas empresas para o Norte de Portugal. Julgo que é evidente a necessidade de podermos vir a contar com o reforço das garantias para estes trabalhadores tão especiais que fazem a nossa Eurorregião.

Um dos problemas mais importante da Raia Ibérica é o despovoamento. Que projetos a Eurorregião Galiza-Norte de Portugal está desenvolvendo para frenar os efeitos do despovoamento?
Cada um dos lados tem implementado políticas de acordo com as competências dos respetivos governos. Por exemplo, em Portugal o Programa REGRESSAR. Subsidiariamente, e à nossa escala, na Eurorregião Galicia -Norte de Portugal temos apostado em projetos de forma descentralizada como o NORTEAR, destinado ao conhecimento mútuo da cultura galaico-portuguesa e que tem passado pelas conversas sobre escritores ou o prémio para jovens talentos literários. Igualmente o Programa IACOBUS, que indo já na sua nona edição, tem proporcionado intercâmbios a mais de 1.000 pessoas e a produção conjunta de publicações por parte da comunidade académica da nossa Eurorregião.
Este é um problema transversal a toda a Raia Ibérica. Existe alguma coordenação entre as diferentes eurorregiões da Raia Ibérica para diminuir as suas consequências negativas?
Existe uma Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço que foi aprovada pelos Governos dos dois países em 2020.
O Eurorregião Galiza-Norte foi a terceira a ser criada na União Europeia. Quais foram os principais motivos que levaram à sua criação?
A necessidade de reatar os laços históricos, milenares, existentes entre as duas regiões no contexto da então CEE, hoje União Europeia. E o tratamento de situações que afetam as duas regiões através de intervenções no sentido de atenuar ou eliminar os Custos de Contexto como as Emergências Transfronteiriças em matéria de saúde, proteção civil ou mobilidade laboral.
Quais foram logros até o momento do AECT da Eurorregião Galicia – Norte de Portugal?
A Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal surge, em 1991, por iniciativa da Comissão de Coordenação da Região Norte e da Xunta de Galicia. Desde logo se apostou no planeamento estratégico e na concertação envolvendo os dois países, sempre respeitando as diferenças de caráter institucional existentes. Mas este foi o segredo. Com uma estratégia definida e boas lideranças regionais – destacando-se as figuras de Manuel Fraga Iribarne e do Engenheiro Luís Braga da Cruz -, alicerçadas nos instrumentos que, entretanto, foram sendo disponibilizados às escalas nacionais e regionais, mas sobretudo europeia com o Programa INTERREG. Passamos de uma ponte sobre o rio Minho para várias. A Galiza ligou-se por autoestrada e por gasoduto a Portugal. Retomaram-se os Caminhos de Santiago a partir de Portugal. Criou-se o Parque Gerês/Xurês, hoje Reserva da Biosfera pela UNESCO. E, sobretudo, o tecido empresarial reforçou a cooperação na área dos negócios. Temos, hoje, uma economia integrada.
Em 2008 foi criado o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza Norte de Portugal, que começou a funcionar em 2010, com o objetivo de reforçar a capacidade operacional, sendo para isso dotado de personalidade jurídica, equipa técnica e ficando localizado em Vigo.
Finalmente, que projetos a Eurorregião Galiza – Norte de Portugal está neste momento a desenvolver de forma a tornar esta região mais próspera?
Aprovamos, em Plenário da Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal, realizado em junho de 2021, no concelho de Salvaterra do Miño, o Plano de Investimentos Conjunto (PIC) 2021-2027. Nele se definem as prioridades estratégicas bem como os projetos estruturantes que a Eurorregião pretende vir a ter concretizados recorrendo à utilização das diferentes formas de financiamento (Regional, Nacional e da União Europeia). Estamos agora a reforçar a aposta na floresta no turismo e no agroalimentar. E a organizar a cooperação no aeroespacial e na mobilidade sustentável.
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