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Mais ambição para as ligações ferroviárias de alta velocidade

Na semana da realização da Cimeira Ibérica, que terá lugar no dia 4 de novembro, em Viana no Castelo, entrevistamos José António Silva e Sousa, uma das personalidades mais qualificadas para entender as relações luso-espanholas e o mercado ibérico.

Para o Presidente da Fundação Luso-Espanhola, a ligação ferroviária em alta velocidade entre Lisboa e Vigo é um começo, mas é necessário mais ambição “Também me parece que, se Porto-Vigo é apenas uma primeira fase de um projeto mais vasto – porventura mais fácil de executar – também seria importante pensar-se a ligação Faro-Sevilha verdadeira dinamizadora dos fluxos de turismo e comerciais transfronteiriços do sul”.

José António Silva e Sousa também nos declara que apesar das boas relações políticas e económicas, há situações que devem melhorar “Portugal e Espanha ainda não definiram um modelo de relacionamento formal entre os Governos Centrais e as Comunidades Autónomas do país vizinho”

O Governo português anunciou recentemente a ligação ferroviária em alta velocidade entre Lisboa e Vigo. É um boa solução para ligar a rede ferroviária portuguesa à rede de velocidade de alta velocidade de Espanha?

Efetivamente é uma solução natural. Mas penso ser curta para as ambições portuguesas e espanholas. Do lado português e em termos de competitividade económica do país, pensamos que teremos que privilegiar duas outras linhas em paralelo: o chamado Corredor do Sudoeste Ibérico ligando Lisboa a Madrid, com alguma ramificação a Barcelona / Valencia por Ciudad Real; e, por outro lado, a conexão Aveiro-Irun, por Valladolid ou Burgos. Alguns estudos de que dispomos dizem-nos que um interface desta linha em Burgos permitiria o acesso mais fácil para as mercadorias aos terminais logísticos de Madrid, que se encontram na zona Este da cidade, e a Saragoça que é também uma forte plataforma logística espanhola.

Também me parece que, se Porto-Vigo é apenas uma primeira fase de um projeto mais vasto – porventura mais fácil de executar – também seria importante pensar-se a ligação Faro-Sevilha verdadeira dinamizadora dos fluxos de turismo e comerciais transfronteiriços do sul.

Agora, estruturas deste tipo implicam a aceitação dos Governos de Madrid e de Lisboa, e das operadoras de transporte ferroviário, ou entre estas, mas são matérias onde tem havido pouca abertura para um diálogo construtivo como se vê pela atual ligação ferroviária entre Lisboa e Madrid.

Mas continuamos sem uma ligação ferroviária direta entre Lisboa e Madrid?

Sim. É verdade. É também verdade que do lado português se está a avançar depressa com a conexão Évora-Badajoz. E que a Região Autónoma da Estremadura espanhola está a pressionar muito o Governo Central para uma solução que também os retire do isolamento que esta situação gera. A verdade, porém, é que pouco se tem adiantado e que as soluções que atualmente temos (mais de 11 horas de viagem entre as duas capitais) já deveriam ter justificado medidas fortes e imediatas.

Contudo, deixe-me chamar-lhe a atenção para um ponto que me parece importante: nós entendemos que, em termos de interesse das empresas, é importante passar a ver nos dois países uma rede intercruzada e dinâmica de transportes e movimentos comerciais. Uma rede de contactos e fluxos diretos e rápidos entre todos os pontos – geograficamente falando -da Península Ibérica. Isso implica dois desafios: um primeiro, que Lisboa e Madrid terão que deixar de ser dois eixos únicos para passarem a ser os gestores dessa mesma rede; por outro lado, que as redes de Transporte e Logística sejam o motor do crescimento sustentável e equilibrado de todo o território peninsular. Não sei se Madrid, ou mesmo Lisboa, estão disponíveis para tratar deste assunto com esta visão. Ou mesmo qual a posição das Comunidades Autónoma espanholas. Mas é por aqui que me parece que deverá ser o caminho do diálogo.

Mas temos que ver também o seguinte: a interconexão fluida entre as duas capitais não é só do interesse de Lisboa. É também, e muito, do interesse de Madrid que estenderá o modelo tradicional espanhol de “estrela” a todo o espaço peninsular. Quanto às demais interconexões já serão mais do interesse de Portugal do que de Espanha. É sobre esta base que se deverá encontrar uma solução.

Mas se a ligação ferroviária é um objetivo importante para materializar rapidamente, não esqueçamos que a ligação rodoviária também o é. Há dias apercebi-me que com a ligação rodoviária de Cáceres a Castelo Branco por via rápida, se conseguiria uma poupança de quase uma hora na viagem de Madrid a Lisboa. E com um custo aparentemente pouco significativo. Sei que este assunto já terá sido analisado ao mais alto nível. Porventura haverá que voltar a colocá-lo na agenda.

Também me parece que, se Porto-Vigo é apenas uma primeira fase – porventura mais fácil de executar – também seria importante pensar-se a ligação Faro-Sevilha verdadeira dinamizadora dos fluxos de turismo e comerciais transfronteiriços do sul

Como vê a Fundação Luso-Espanhola uma efetiva interligação ferroviária ibérica?

A Fundação Luso-Espanhola defende uma visão da Península Ibérica baseada num conceito: “dois países, um mercado virado para a competitividade internacional”. O tempo – mesmo nestes momentos em que o conceito de Globalização se começa a esvair – tem-nos demonstrado que este é o melhor caminho a seguir. É um conceito de respeito pelas duas Soberanias, pela História… mas sobretudo de compromisso para o futuro. Estamos inseridos numa Europa que é acima de tudo uma comunidade de boas vizinhanças. Geograficamente, a boa vizinhança entre Portugal e Espanha é uma obrigação e um desafio. Nós Fundação propomos um rumo comum: a competitividade económica.

A melhoria da rede de transportes e da interconexão logística é o suporte porventura mais importante desta visão.

José António Silva e Sousa, Presidente da Fundação Luso-Espanhola

Uma questão muito sensível nas relações entre Portugal e Espanha é a regulação dos caudais dos ríos, sobretudo numa época de seca extrema. Como podem os 2 países colaborar de forma mais transparente neste âmbito?

Entendemos que esta matéria das águas – como também a matéria das pescas – são sempre sensíveis no relacionamento entre os dois países. É um problema importante para as Embaixadas e os Governos tratarem (risos). De qualquer forma o dado mais importante que temos que considerar é que são temas sobre os quais se fala pouco. Porventura por estarem a ser bem tratados e conduzidos ao nível de Governos. Por isso temos que confiar que o assunto está a ser tratado da melhor forma para assegurar os interesses bilaterais.

Esperemos que esta situação de seca com a qual estamos a conviver seja rapidamente superada. Não podemos é com base nela, tomar medidas radicais ou imprudentes.

Um bom exemplo dessa colaboração ibérica, foi quando o Governo de Pedro Sánchez e António Costa conseguiram sensibilizar a Comissão Europeia para a exceção ibérica, já que nem Portugal nem Espanha estão ligados à rede energética europeia. Em que áreas essa colaboração ibérica poderia ter as suas vantagens nas negociações com Bruxelas?

O regime de “exceção ibérica” para Portugal e Espanha parece ter sido efetivamente vantajoso para os dois países e para os respetivos consumidores. É um bom exemplo. Mas também é um prémio para os mesmos. Não só pela situação de independência nos fornecimentos, mas sobretudo pela opção clara que ambos têm vindo a fazer, pelas energias renováveis. São boas noticias.

Voltando às questões da energia, e como sabemos têm uma grande importância para os cidadãos e para as empresas, especialmente depois do eclodir da guerra na Ucrânia.

Neste ponto convém dizer que a Guerra da Ucrânia trouxe um novo desafio para a Europa e que é o da reestruturação do modelo de fornecimento de Energia sobretudo aos países do Centro e Norte. Ou eventualmente o estudo de novas fontes alternativas. A capacidade atlântica de Portugal e de Espanha pode potenciar uma nova alternativa com base geográfica na Península Ibérica. Neste caso, e para Portugal, Sines passou a estar no centro das possíveis prioridades.

Mas não podemos esquecer que haverão outros países – e outros portos -com grandes interesses nesta matéria, nomeadamente a Itália. Creio que Portugal poderá enquadrar neste modelo com vantagens e mais facilidades, os países africanos, sobretudo Angola enquanto fornecedor com escala global.

Estou certo de que estarão a correr grandes conversações sobre estas matérias. Não conheço o teor dos acordos assinados entre Portugal, Espanha e França para a interconexão da Península com Marselha. De qualquer forma dizem os participantes que foram os acordos possíveis. Porventura será um primeiro passo.

Teremos que aguardar.

Portugal e Espanha ainda não definiram um modelo de relacionamento formal entre os Governos Centrais e as Comunidades Autónomas do país vizinho

Viana do Castelo receberá já em novembro a Cimeira Ibérica dos governos de Espanha e Portugal. Todavia, os governo regionais da Galiza e de Castela e Leão, quer a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte de Portugal reivindicam também a sua presença neste encontro. Na sua opinião as Cimeiras Ibéricas devem-se abrir também à sociedade civil?

É uma Cimeira onde deveriam estar depositadas muitas esperanças. Mas para a qual a estreiteza do programa e as dificuldades do momento, não permitem antever resultados entusiasmantes. É certo que os Ministros, hoje, falam diretamente e regularmente, sem necessidade de estarem juntos. A verdade, contudo, é que as Cimeiras Ibéricas, quando foram criadas, tinham outro tipo de ambições e monitorizavam os avanços nas boas relações peninsulares. É um modelo que tem muito potencial e ao qual se deveria dar mais impacto.

Lembro-me que chegámos a organizar, em conjunto com a então AIP e a CEOE uns encontros empresariais, paralelos a todas as Cimeiras, e que eram encerrados pelos dois Primeiros-Ministros. Estavam lá todos os empresários importantes dos dois países. E falavam entre eles, combinavam novos encontros, partilhavam com os Governos os seus problemas e as suas ambições. Foram momentos muito importantes e que são parte decisiva na situação de excelente relacionamento com a qual atualmente convivemos. Contudo, o último “encontro” que se realizou foi na Cimeira do Porto, em 2015.

Em relação à pergunta que me faz da inclusão dos Governos Regionais ou das CCDRs portuguesas nestas Cimeiras sempre lhe devo dizer o seguinte: Portugal e Espanha ainda não definiram um modelo de relacionamento formal entre os Governos Centrais e as Comunidades Autónomas do país vizinho: a relação é entre Governos Centrais. Isto não é só importante ao nível do Protocolo. É importante também ao nível do diálogo. Sobretudo no caso das Regiões transfronteiriças.

É que as Comunidades Autónomas de Espanha – como as Portuguesas da Madeira e dos Açores – têm efetivos poderes soberanos delegados. E em matérias-chave para as Economias dos dois países. Entendo que, nos temas que lhes dizem respeito, deveriam participar, com condições e com um estatuto a definir, eventualmente como observadores.

O mercado ibérico vale mais de 30.000 milhões de euros. Todavia, continua haver um desconhecimento da sua grandeza sobretudo em Espanha. Como se poderá promover o mercado ibérico junto da sociedade civil, mas também das empresas, já que Portugal e Espanha compartem a mesma península?

Uma avaliação económica do mercado ibérico é, seguramente um bom exercício. Mas, nos tempos que correm deveremos ser mais ambiciosos: o que é que o país vizinho pode trazer de mais-valia e até onde poderemos chegar juntos. Estas as questões chave.

Se pensarmos assim, passaremos a ter um novo paradigma de preocupações: o que é que está a dificultar esta criação de objetivos comuns? Que soluções precisamos? Responder a estas questões é a razão do trabalho da nossa Fundação.

Nós entendemos que, em termos de interesse das empresas, é importante passar a ver nos dois países uma rede intercruzada e dinâmica de transportes e movimentos comerciais.

A Fundação Luso-Espanhola tem se destacado como um dos principais agentes promotores do mercado ibérico. Que projetos está a desenvolver para estimular ainda mais o mercado ibérico?

Efetivamente vemos a Península Ibérica como um sub-mercado natural dentro da União Europeia. E é para isso que estamos a tender: a “exclusão ibérica” de que antes falámos é um bom exemplo dessa realidade. Nesse sentido consideramos muito importante a relação de Portugal com as Autonomias espanholas, do nosso prisma, mais ao nível empresarial onde temos desenvolvido trabalhos em Castela e Leão, Extremadura, Andaluzia e Astúrias. Queremos também trabalhar em Aragão onde já tivemos algumas intervenções que nos suscitaram grande interesse. Fazemo-lo sempre em conjunto com as Confederações Empresariais locais naquilo que chamamos o Conselho Empresarial Ibérico.

Por outro lado, estamos a trabalhar na análise do relacionamento inter-pessoal dentro das empresas “ibéricas”. Aos diversos níveis das empresas. Os primeiros diagnósticos indicam-nos que há ainda muitos problemas de diálogo ao nível bilateral. Penso que se trata de “problemas de crescimento”. Mas temos que propor soluções. Temos para isto um programa de Encontros de Gestores Expatriados que agora vai iniciar uma segunda fase agregando os mesmos aos gestores loais com competência nos dois países.

Para além disso mantemos a ligação à Fundación Carlos III e ao Real Foro de Alta Dirección de España, estando já em funcionamento o Capítulo Português deste. E com isto aos “Master de Oro de Alta Direcção” que já estão a ser atribuídos anualmente também em Portugal.

Com tudo isto não posso dizer que somos importantes na relação bilateral. Sim que, seguramente, somos cúmplices em muitos dos bons resultados que nos fizeram chegar ao bom momento relacional entre Portugal e Espanha que atualmente estamos a viver.

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